Enrique Rojas
O Homem light
Coimbra, Gráfica de Coimbra, 1994
(excerto adaptado)
- Definição do amor humano
- A relação sexual sem amor
- Sexualidade vazia e sem rumo
- As três caras do acto sexual
- As cadeias e escravidões do mundo livre
SEXUALIDADE LIGHT
As três caras do acto sexual
A relação sexual deve ser definida a partir do amor. Por outro lado, a sexualidade é uma linguagem pela qual transmitimos a afectividade, já que a pessoa, porque é sexuada, necessita de um intercâmbio físico, e isto implica exceder o mero contacto sexual, ir para além de si, mesmo, buscar a promoção do outro em todos os âmbitos da vida. É encontrar o casal como projecto, como programa comum, arriscando-nos nesta aventura em que é necessário tomar uma determinação extrema se se quer que não fracasse.
Leibnitz dizia no seu livro Noveaux essais: «Amor quer dizer sentir-se inclinado a alegrar-se na perfeição e no bem do outro, na sua felicidade». Não há amor sem alegria, porém na relação sexual light o que existe é um bem-estar sem alegria autêntica. É um estalido de prazer fugaz, que não ajuda à maturação da personalidade; um consumo de sexo nas suas diferentes versões. A pornografia, as revistas, os vídeos, os telefones eróticos, etc, converteram-se num grande negócio, em que se exploram as paixões mais ligadas aos instintos, em que se potência o mais primário do homem, porém desligado do seu fim amoroso. Por isso, a sexualidade light não faz mais com que alguém seja dono de si mesmo, nem melhora a personalidade, nem torna o homem mais compreensivo e humano. Introdu-lo num carrocel de sensações orgásmicas e de um consumo de sexo que cada vez pede mais e que conduz a uma neurose obsessiva de o conseguir e, em consequência, a uma desumanização.
O acto sexual com amor de verdade consta de três ingredientes essenciais: a) físico; b) psicológico; e c) espiritual. O outro é aceite como pessoa e o facto de ficarem despidos um frente ao outro produz uma entrega singular na qual ambos dão e recebem amor. São duas intimidades que se fundem e buscam ajuda, e compartilham a vida com tudo o que esta comporta. Essa conjunção é reciprocidade. Stendhal, no seu tratado Sobre o amor*, faz uma detalhada descrição de todos os sentimentos que implica esta palavra: delicadeza, esperança, exagero das suas propriedades positivas e tendência à idealização — cristalização. Ortega, em Estudos sobre o amor, diz que a conquista é «um jogo de tira e põe, de solicitude e desdém, de presença e ausência… jogo mecânico sobre a atenção do outro».
Quando se fixa esse amor incipiente, uma pessoa joga tudo numa cartada, e deixa a descoberto que tipo de verdade desejamos e a que nos submetemos. Também são interessantes os pensamentos de Max Scheler sobre o amor e a amizade no seu livro Essências e formas da simpatia. A sua análise fenomenológica procura o eterno no homem desde a perspectiva dos sentimentos, ficando representado nos valores, que, sendo intemporais, põem a descoberto o melhor que há no homem e conduzem à realização moral. Outro autor alemão contemporâneo Spaemann, diz que o mundo instintivo produz uma satisfação imediata, mas que a felicidade através do amor se centra na ética antiga, que residia no tirar proveito da própria vida na base do respeito, relação cuidadosa, benevolência e perdão.
A penumbra subterrânea de cada um ilumina-se através do amor verdadeiro, que aflora paulatinamente; enquanto o sexual é macroscópico, o sentimental é microscópico; um olha ao conjunto e, ao primário enquanto que o outro olha ao detalhe e ao mais secundário. Na relação amorosa é fundamental a sexualidade, porém sempre sujeita à afectividade, pois que aquela não é prioritária.
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